terça-feira, 24 de março de 2009

Algumas discussões sobre a Ciência e o Ensino de Ciências – Parte 2

A partir da discussão tratada no post anterior, sobre racionalidade científica, podemos discutir como, em determinado momento histórico, da civilização ocidental, vai se privilegiar um tipo de conhecimento – aquele proveniente dos experimentos das Ciências Exatas, Naturais e Biológicas - em detrimento de outro – o senso comum, ou os saberes das comunidades. Esse paradigma, da racionalidade científica, vai nortear as ações das instituições criadas na modernidade, dentre elas a escola, e demarcar o conhecimento científico do conhecimento de senso-comum.

A ênfase no conhecimento científico, nos programas escolares brasileiros, consolida-se nos primeiros anos da República, com a reforma de Benjamim Constant. Esta, ao substituir o ensino humanístico pelo enciclopédico, garantiu a obrigatoriedade das disciplinas científicas nos currículos das escolas secundárias. Em conseqüência, os programas escolares brasileiros, do início desse século, foram fortemente influenciados pelo positivismo francês (Wortmann, 1992, p. 34).

A tendência empirista intensificou-se no contexto educacional brasileiro, após a 1ª Guerra Mundial, através do imperialismo norte-americano, onde predominava a perspectiva do empirismo-lógico. Tal sistema de idéias amplia-se no contexto mundial, no período Pós-Segunda Guerra Mundial, em conseqüência da necessidade de se “criar” sujeitos “consumidores” e “produtores” do artefatos científicos gerados pelo crescente processo tecnológico e industrial.

Importante “marco” na ênfase da cientificidade dos currículos escolares, para a formação de “pequenos cientistas”, foi a perda da corrida espacial pelos E.U, para a União Soviética, em 1957. As propostas curriculares passaram a enfatizar as técnicas da redescoberta e de investigação, e o pensamento indutivo para o estudo dos conteúdos escolares. Além disso, nessa época, privilegiou-se as metodologias ativas, dentre elas as atividades realizadas no laboratório, alicerçadas no ideário do escolanovismo norteamericano introduzido desde a década de trinta.

Atualmente, este sistema de idéias explicita-se constituindo as “falas” dos/as professores/as, quando esses/as atribuem a aquisição do pretenso “conhecimento científico” à utilização do “método científico”, dos materiais do laboratório, entre outras especificidades do ensino de ciências, que estipulam regras e padrões de conhecimento a priori; e/ou ainda, quando os/as estudantes apresentam em suas respostas os “produtos da ciência”, ou seja, os conceitos considerados “verdadeiros”, geralmente apresentados nos livros-didáticos.

Entretanto, desde a década de cinqüenta, autores situados genericamente na “tendência histórica” (Bombassaro,1993), têm questionado a tendência analítica, quanto: à teoria empirista da percepção, afirmando que todas as nossas percepções são significativas (conhecimentos prévios e crenças), ao progresso cumulativo da ciência e, também, evidenciado o papel da comunidade científica no processo de aceitação, produção e legitimação do conhecimento; à “crença” na existência de um único método e ideal de ciência; aos critérios de demarcação do que é considerado ou não conhecimento científico, sugerindo uma revalorização da metafísica para a ciência. Assim, mais especificamente nos últimos 20 anos os estudos na área da Sociologia da Ciência vem considerando a ciência como uma produção cultural. Neste caso, se as teorias científicas são constructos humanos que sempre vão além dos fatos, no sentido de que qualquer conjunto de fatos aceitos pode ser compatível com várias teorias, pode-se tratá-las como derivadas da convenção gerada pela própria atividade dos cientistas (Feyerabend, 1989, Gould, 1999, Kuhn, 2000, Wortmann, 1998).

Bibliografia:

Bombassaro, L.C. As fronteiras da epistemologia: como se produz o conhecimento. 2.ed. RJ: Ed.Vozes, 1992

Feyerabend, P. Contra o método. Tradução Octanny S. da Mota e Leônidas Hegenberg. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.

Gould, S.J.A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Krasilchik, M. O professor e o currículo. São Paulo: EPU, 1987.

Kuhn, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectivas, 2000.

Santos, B.S. Um discurso sobre as Ciências. 8. ed Porto: Afrontamento, 1996

Videira, A. L. L. Natureza e ciência moderna. Ciência e Ambiente, v. 28. Santa Maria: UFSM, 2004. p. 121-134.

Wortmann, M.L.C. Os programas de ensino de ciências no Rio Grande do Sul. Educação e Realidade, 17 (1), Porto Alegre: UFRGS, 1992. p. 33-47.

Wortmann, M.L.C. Questões postas pelos estudos de ciência e a educação em ciência. In: Seminário Internacional de Reestruturação Curricular: A escola cidadã no contexto da globalização (Porto Alegre). Petrópolis: Ed. Vozes, 1998. p. 252 - 271.

observação: texto escrito em conjunto com a Professora Nádia Geisa Silveira de Souza (FACED/UFRGS)

5 comentários:

Alan Dantas - Num disse...

Ana,
Acho que vou começar a levar seus posts para as minhas aulas de licenciatura, neste semestre as aulas têm como base esta discussão.
Acho que tenho muito a aprender com você e a Alcione.

Amplexos!

Alcione Torres disse...

Eu também estou adorando, viu!
Meus textos não são assim tão bons, Alan! heheheehe

Ana de Medeiros Arnt disse...

hehehehe

ceeerto, certo...
Esses dois textos estão sendo trabalhados há tempos já, por isso estão mais redondinhos... Não se animem!
:-)

Ana de Medeiros Arnt disse...

P.S. Alan, fique à vontade para levar para a aula.

abç

Enio Hayasaka disse...

Muito boa essas idéias!!! Sou amigo de turma do Alan, e realmente seria interessante levar essas idéias para sala de aula. Pelo que vejo, a maioria dos docentes são tão amarrados em suas idéias de "universidade" (publicação é mais importante do que conhecimento) que não discutem esse tipo de assunto.

A partir de hoje venho mais vezes aqui ler seus posts!

Abraços e Parabéns pela iniciativa!

PS: Recomendei o blog para a Biblioteca Digital do Museu Escola do IB, espero que incluam!